Tensão no Pacífico: China mede forças com Japão e EUA nos arredores de Taiwan

Tensão no Pacífico: China mede forças com Japão e EUA nos arredores de Taiwan

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Poucos lugares são tão estratégicos para a economia globalizada quanto Taiwan. A pequena ilha do Pacífico, com território pouco maior que o de Alagoas, concentra a produção de 90% dos chips de última geração, indispensáveis para fabricação de aviões, smartphones, sistemas de inteligência artificial e muitos outros aparatos que sustentam a vida tecnológica contemporânea. Pelo estreito de 130 quilômetros de largura que separa o país do continente asiático passam 2,4 trilhões de dólares em mercadorias por ano, o equivalente a um quinto do comércio marítimo global. Já por baixo d’água, cabos e mais cabos submarinos conectam centros financeiros e polos de inovação tecnológica. Pois é justamente ali que a tensão geopolítica tem crescido nos últimos meses, em uma contenda aparentemente regional, mas com real risco de escalar para um conflito envolvendo a China e os Estados Unidos.

Não é o caso de acender o mais ruidoso dos alarmes, como se a bomba estivesse prestes a explodir, mas convém atenção. As movimentações militares naquele naco do planeta nunca estiveram tão intensas. O governo de Pequim, que considera Taiwan uma província rebelde, aumentou consideravelmente sua presença militar na região. Em novembro, as autoridades de Tóquio informaram que caças chineses apontaram sua mira para aeronaves do Japão perto de Okinawa. O ato hostil levou a primeira-ministra, Sanae Takaichi, a afirmar que “a situação ameaçava a sobrevivência” de seu país, o que poderia desencadear uma resposta militar. Prontamente, a China negou a responsabilidade e alegou terem sido os japoneses a se aproximarem de um porta-aviões durante um treinamento em águas que separam as duas nações. O chanceler chinês Wang Yi encarou a declaração como uma ameaça inaceitável e, seguindo a disposição de dobrar apostas, que tem pautado as relações internacionais na gestão de Xi Jinping, não se furtou a subir o tom. Ao situar o bate-boca no ano que marca o 80º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial, provocou: “como nação derrotada, o Japão deveria agir com mais cautela”.

MANOBRA - Navio chinês: presença militar inédita do Japão às Filipinas
MANOBRA - Navio chinês: presença militar inédita do Japão às Filipinas (Daniel Ceng/Anadolu/Getty Images)

Para a China, a reintegração de Taiwan é um assunto sempre mercurial. Há 75 anos, a ilha se tornou o refúgio do Kuomintang, o partido conservador chinês, após ser derrotado pelas tropas comunistas, lideradas por Mao Tsé-tung. Foi o desfecho de uma sangrenta guerra civil pelo controle do país. De lá para cá, apesar de ameaças constantes, Pequim jamais havia mantido presença tão grande de navios de guerra na costa taiwanesa como observado agora. Na semana passada, mais de 100 embarcações foram mobilizadas em manobras que se estenderam do sul do Japão ao norte das Filipinas. O exercício acendeu um sinal de alerta na comunidade internacional. Na sexta-feira 5, os Estados Unidos divulgaram um novo plano de estratégia militar e diplomática para a região, colocando a defesa da ilha como prioridade. “A ameaça é real e pode ser iminente”, afirmou o secretário de Defesa americano, Pete Hegseth.

Relatórios do Pentágono indicam que Pequim já dispõe de capacidade para impor um bloqueio naval e comandar uma invasão do território. A avaliação levou Taiwan a anunciar um incremento da ordem de 40 bilhões de dólares em defesa nos próximos oito anos, tendo os Estados Unidos como principal fornecedor de armamentos. Uma ofensiva dessa magnitude, contudo, teria custos altíssimos e resultados imprevisíveis, mas certamente catastróficos. Estima-se que uma guerra entre China e Taiwan, envolvendo os americanos, reduziria o PIB mundial em 10%, quase o dobro do impacto econômico da pandemia de covid-19. Embora um conflito direto não esteja no horizonte, observadores alertam para o perigo de as duas maiores superpotências manterem uma alta concentração militar nesse naco do planeta. “O risco não é uma decisão deliberada de guerra, mas a possibilidade de que uma colisão, um disparo acidental ou uma leitura equivocada seja o estopim do confronto”, avalia Bonnie Glaser, diretora do Indo-Pacific Program no German Marshall Fund.

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CHIPS - Fábrica de semicondutores: sem eles, a economia mundial para
CHIPS - Fábrica de semicondutores: sem eles, a economia mundial para (TSMC/Divulgação)

O temor de que a situação saia do controle se justifica, ainda, sob o prisma da relação entre os dois maiores líderes que medem forças em escala global. Xi Jinping encara a retomada de Taiwan como uma questão que “não pode ser deixada indefinidamente para as próximas gerações”. Enquanto promove uma campanha nacionalista em torno da própria figura, Xi deixa pouco espaço para recuos. “Qualquer sinal de suavidade seria um risco político para ele”, diz Susan Shirk, da Universidade da Califórnia em San Diego. Já Donald Trump, que resolveu promover uma batalha tarifária e comercial contra o gigante asiá­tico, dá sinais de que não está disposto a entrar num conflito armado sem garantias claras de vitória. “Trump, na verdade, demonstra pouca preocupação com a segurança de Taiwan”, diz Einar Tangen, do Centre for International Governance and Innovation.

No meio do bate-boca diplomático, algumas poucas palavras vindas da chancelaria chinesa sinalizaram uma tentativa de conter a escalada de insensatez. O porta-voz Guo Jiakun sustentou que a coexistência pacífica e o respeito mútuo “constituem a única opção correta e realista” para gerir a relação bilateral. Pode ser mera retórica, mas é a boia de salvação no Pacífico revolto e turbulento.

Publicado em VEJA de 12 de dezembro de 2025, edição nº 2974

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